21 agosto 2013

O Afogado!


Não conseguia aterrorizar-se, e há muito tempo não sentia frio. Fizera seu aprendizado de solidão enquanto as coisas sentidas a cada dia tornavam-se mais e mais semelhantes, para finalmente permanecerem numa massa informe a escorrer monótona por dentro dele, alterando-se apenas em insignificantes cintilações cotidianas. Apenas reagia. Tudo ali estaria para sempre excessivamente silencioso para que se pudesse soltar um grito ou chorar sozinho no escuro, como nos primeiros tempos. E ainda que gritasse: o silêncio se ria maior e mais desesperado que qualquer grito, porque todos gritavam e agiam da mesma forma, calada e idêntica.
(Caio Fernando Abreu. O Afogado, in: O Ovo Apunhalado)

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