11 fevereiro 2013

A vida sem rodinhas



Lembro que nos momentos importantes da infância, e também nos desimportantes, meu pai estava sempre a postos empunhando uma máquina fotográfica. A consequência disso? A cada gaveta que eu abro aqui em casa, jorram fotos diversas, sem contar as que estão confinadas em álbuns e porta-retratos. Dessas tantas, há uma pela qual tenho um carinho especial: é uma foto em que estou andando de bicicleta, aos 5 ou 6 anos de idade. Naquele dia eu andei sem rodinhas pela primeira vez. Dei várias voltas sem cair, até que meu pai clicou o flagrante: a pirralha com a maior cara de vencedora, dona do campinho, se achando. Eu realmente estava degustando aquela vitória.Se a foto tivesse legenda, seria: Viu?.
As rodinhas são uma base protetora para iniciantes, uma segurança para quem ainda não tem domínio da coisa. Que coisa? Qualquer coisa. Me corrija se eu estiver errada: a gente usa rodinhas até hoje. 
Quando se escreve um livro, por exemplo, as rodinhas são as cenas não inventadas, o sentimento de verdade, vivido, com o qual a gente ampara a ficção.
 Quando se tem um filho, as rodinhas são a herança da educação que nossos pais nos deram, a parte hereditária que, mesmo questionada, sustenta nossas primeiras decisões.
 Quando nos apaixonamos, as rodinhas são a repetição de certos clichês, a apresentação dos nossos ideais e certezas, mesmo sabendo que em breve entraremos em terreno movediço, desconhecido.
Quando se aceita um emprego, as rodinhas são a nossa experiência anterior, o que facilita a arrancada, mas depois é preciso andar sozinho. Sempre chega a hora de tirar as rodinhas. Medo e êxtase.
Viver sem elas torna tudo mais perigoso, vulnerável, e ao mesmo tempo, emocionante. Nos faz voltar a ser crianças: será que estou agindo certo, será que não estou indo rápido demais, ou lento demais? Atenção: lento demais, cai.      
 É preciso saber viver sem um suporte contínuo, para que se possa firmar o próprio caráter. Quem não sai da barra da saia da mãe, nunca consegue se equilibrar sozinho. Quem não solta a mão do pai, não vira homem.
Quando é que sabemos que estamos aptos a andar por nossa conta? Se o assunto é bicicleta, ao cinco, seis, sete, até aos dez anos, dependendo do ritmo e estabilidade de qualquer um. Quando se trata da vida, também depende. Mas usá-las para sempre nos impede de sentir o gostinho de conseguir, de vencer, de atingir nossos objetivos por mérito próprio.Nos impede de provocar: "Viu?".
 Nada nos dá tanto orgulho do que mostrar aos outros - e a nós mesmos - o quanto podemos.

                                                                                                               20 de Junho de 2010 
Martha Medeiros (Livro: Feliz por Nada)


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